terça-feira, 19 de julho de 2011

Nortada: um clássico das Terças-feiras


© Henrique Monteiro  | (texto adulterado por Miguel Lima)

caríssima(o),

como o próprio avisou, nas próximas semanas Miguel Sousa Tavares entrará no seu «período de defeso anual [para] limpar a cabeça». contudo, tal não significa que este espaço o faça e muito menos de ânimo leve! ;)

assim sendo e para manter a "tradição", recordo um dos seus escritos, descoberto, por mero acaso, numa referência da bluegosfera® - o blogue do caríssimo Dragão Vila Pouca. trata-se, na minha modesta opinião, de uma das suas melhores NORTADAs de sempre. espero que aprecies a sua leitura com o mesmo encanto e entusiasmo que depositei na sua partilha e (certamente) que o autor na sua redacção.

“e que o Vento Norte esteja contigo, car@go!®

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Cem anos de solidão

(1994 ?)
Se há coisas irracionais na vida de um homem, uma delas é a paixão pelo seu clube de futebol. Sacrificamos-lhe dinheiro, família, noites de Sábado e tardes de Domingo, horas de angústia sem fim. Com ele gastamos parte preciosa das nossas energias, da nossa raiva de viver, da nossa capacidade de indignação. E partilhamos instantes de pura alegria, encenações rituais de felicidade colectiva que, aos olhos dos outros - dos que não entendem o Futebol -, se torna absolutamente absurdo e disparatado. E a verdade é que não vale a pena tentar explicar.
Por que é que uns sofrem com o FC Porto, outros com o 5lb, outros com o Sporting CP? Por que é que, no mundo inteiro, há milhões de pessoas para quem os dias são mais felizes ou mais infelizes conforme as vitórias ou derrotas do FC Barcelona, do AC Milan, do CR Flamengo ou do Liverpool FC? E porque é que, com tantas coisas que somos capazes de trair, só não canseguimos trair o clube que um dia percebemos que amaríamos até à morte?
Comecei a amar o FC Porto tinha sete anos de idade. Já lá vão trinta e cinco anos desta paixão pelo azul-e-branco que constantemente se intromete na minha vida e nos meus planos, planeando a minha agenda, organizando a meu tempo, ocupando grande parte dos meus sonhos. Destes cem anos do FC Porto, eu reivindico trinta e cinco como meus. Trinta e cinco anos em que vi desfilar gerações de jogadores com cujos feitos atravessei a infância e adolescência, cresci e me fiz homem.
Hernâni, Américo, Custódio Pinto, Octávio, Pavão, Festas, Cubillas, Oliveira, Fernando Gomes, Madjer e todos os outros - os fora-de-série, os que nunca esqueceremos enquanto a magia do Futebol significar alguma coisa no espaço reservado às nossas memórias.

Se eu mandasse, não era qualquer um que vestiria a camisola do FC Porto. Quanto mais não fosse, por respeito para com os que, no Passado, serviram o Clube apaixonadamente. Só admitiria com aquela camisola profissionais para quem não
fosse indiferente estarem de azul ou de verde ou de vermelho.
Ainda não me esqueci dos exemplos do Rui Águas e do Dito - duplamenle traidores e símbolos do mercenarismo hoje dominante e bem exemplificado na fracticida guerra lisboeta, onde nem sei que mais lamentar: se os dirigentes do 5lb, se os do Sporting CP, se os jogadores envolvidos ou se as patéticas figuras de umas aves de rapina saloias, travestidas de advogados ou de "empresários". E, embora eu saiba que as tentações são tantas que hoje não há junior que faça três bons jogos pela equipa principal e que não comece logo a magicar um contrato para Itália - apesar de saber tudo isso! -, acredito que no FC Porto é diferente: que há ali uma mística particular, de quem se habituou a sofrer pelas vitórias, de quem aprendeu a ouvir as calúnias em silêncio, a sustentar a hostilidade e o ódio de todo um País de invejosos e de medíocres.
E por isso somos campeões
! Porque aprendemos a contar apenas com as nossas próprias forças - no campo, no balneário ou nas bancadas onde moram os portistas. Porque sabemos arrostar com o mercenarismo da Imprensa, com as provocações dos Conselhos de Disciplina
[da FPF], com o ódio dos Estádios onde os outros procuram no FC Porto e na cidade Invicta, o bode expiatório para a irresponsabilidade e a incompetência próprias - como está tristemente à vista no 5lb.

Por isso, nós, portistas, até quase que nos comovemos quando vemos João Pinto centrar para a bancada ou o Vítor Baía deixar a bola fugir-lhe por entre as pernas a dois minutos do fim, em Gotemburgo. Porque aqueles dois, para nós, são mais do que simples profissionais: são o símbolo de uma mística de respeito pelo Clube e pelos sócios, de amor à camisola que vestem, de orgulho pela sua condição de homens de palavra e de coração, e não apenas aves migratórias - Hoje aqui, Amanhã onde lhes pagarem melhor.

Um clube assim não se inventa nem se imita. Um clube assim não é campeão por acaso ou porque compre os árbitros, como gostam de dizer os que estão habituados a fazê-lo
. Um clube assim não vive cem anos por acidente, por bênção dos deuses, por favores do Destino ou por consentimento dos outros.
Vive-se cem anos, cem anos de glória, quando se aprendeu a sofrer e a lutar, quando se sabe perder sem desespero e ganhar sem arrogância. Mesmo que rodeados pela incompreensão e a inveja alheias, mesmo que fechados sobre nós próprios, nas horas de alegria como nas de tristeza.

Para mim, o FC Porto é qualquer coisa de impartilhável, qualquer coisa que não interessa explicar aos outros.
Eu sei que os adeptos dos outros clubes sentem o mesmo das suas cores. Mas há, na História centenária e no espírito deste clube, alguma coisa mais do que outro nome e outras cores: há gerações sucessivas de gente simples, fiel e séria, que as circunstâncias ensinaram a celebrar e a chorar os seus êxitos e desgostos numa solidão altiva, num orgulho que é só nosso.

São cem anos de solidão - uma solidão de Amigos que só as pedras do Porto sabem sentir como nós.
»

     ps: os negritos são da minha responsabilidade.

beijinhos e abraços (orgulhosos)!
e Muito Obrigado! pela tua visita :) 

sugestão musical: Maria Amélia Canossa, «marcha do FC Porto»

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(sendo que, num blogue de 'um portista indefectível', obviamente que esta caixa é destinada preferencialmente a 'portistas dos quatro costados'. e até é certo que o "lápis", quando existe, é azul.)